sexta-feira, 11 de abril de 2014

Walesca a pensadora e os nossos preconceitos sociais e educacionais. Onde queremos chegar com a educação?





      O professor Antônio Kubitschek. causou tumulto e muita indignação na rede social essa semana por conta de uma prova em que usou Walesca como pensadora contemporânea, ele tentou uma provocação e conseguiu. Vamos lá.
     Primeiro de tudo, esse furor todo tem um nome, preconceito, sabemos bem que o funk sofre uma enorme desvalorização social por conta da sua origem advinda das classes inferiores e principalmente por conta do conteúdo erótico ou violento de suas letras que nada mais faz do que expor um cotidiano no qual todos nós estamos inseridos, nem que superficialmente.
     Há uma ideia errada de que o funk incita o sexo e a violência, ideia essa bastante discordável uma vez que ao analisarmos o contexto social e histórico percebemos que essas entre outras questões já existiam antes do funk ganhar visibilidade, a violência nas favelas já era um assunto noticiado desde sempre na mídia que muitas vezes colocavam essas pessoas como culpadas da violência e não como um produto da desigualdade social do pais, algumas musicas de funk um pouco mais antigas, retratam muito bem em suas letras essa realidade, a injustiça, a falta de segurança, a violência e por ai vai. Outra ideia que se formos pensar a fundo também se finda ao estudarmos o contexto é a de que os adolescentes que escutam funk começam uma vida sexual mais cedo, ora gente, vamos com calma, a questão do jovem transar cedo não está ligada a ele ouvir funk ou não, pois sabemos que jovens que escutam rock, sertanejo, gospel, pagode também fazem sexo, a questão da pratica sexual está ligada a outras questões sociais, a necessidade do adolescente querer ser adulto, a curiosidade e principalmente o fato de não conseguir ser aceito socialmente uma vez que nossa sociedade tem um estigma em relação a figura do adolescente, entre outras questões que não são atribuídas ao funk, nenhum jovem quando questionado do porque ter transado cedo vai dizer “foi porque eu ouvi funk”. Essa justificativa de dizer que o funk incita ao sexo e a violência cai no mesmo discurso de que o videogame deixa as pessoas mais violentas e não se sustenta principalmente porque vários estudos feitos nessa área não conseguem achar uma correlação direta, sempre são outras questões sociais e psicologicas envolvidas, se for assim, todo mundo que ouve sertanejo é corno, todo roqueiro tem pacto com o diabo e por ai vai.
     O que incomoda a sociedade alem da questão histórica em relação ao funk é o seu conteúdo imoral uma vez que ainda somos uma sociedade fundamentada nos parâmetros morais religiosos, o imoral não deve ser falado, sabemos que existe, mas não podemos e nem devemos falar sobre e ele fica lá, na nossa caixinha inconsciente, mas vem à tona quando nos deparamos com questões como essa que perpassam nossa existência e que não estamos acostumados a falar e tao pouco a compreender e então fazemos discursos de ódio porque nos mesmos nos cristalizamos tanto em nossa moralidade que perdemos a capacidade de compreender. Não estou dizendo aqui que todos temos que gostar do funk, as pessoas podem sim não gostar, eu não gosto, não é um estilo de musica que faz parte da minha playlist do celular ou do meu computador, mas não porque ela é imoral ou incita a violência, mas simplesmente porque não tem uma sonoridade que me agrada, assim como também não me agrada a sonoridade do sertanejo, isso é uma questão de gosto, mas dizer que é porque ela incita ao sexo e a violência não é e nem sera uma justificativa plausível uma vez já constatado que isso não passa de mero preconceito nosso em lidar com determinadas questões pois cientificamente essa justificativa já caducou. 
     Ainda refletindo no sentido social, o funk como outros estilos musicais vem de uma cultura, cultura essa como já falei, baixa, do pobre humilhado e esculachado na favela como diz uma letra de um funk que retrata uma vivencia, um contexto daquele grupo e que hoje não vem pertencendo mais aquele grupo apenas, o de classe pobre, pessoas de classe media também vem compartilhando e (eu acho muito importante olharmos pra esse movimento) desse mesmo gosto, o funk ostentação como vem sendo chamado atualmente está nos celulares da classe media e da classe pobre, os discursos dessas classes inclusive são semelhantes e ainda não conseguimos perceber isso, o quanto esse estilo está aproximando as duas classes mesmo que elas não queiram. Estamos em uma sociedade de transição, os valores estão sendo questionados seja no âmbito cientifico, seja no senso comum, viemos de uma sociedade velada, ainda estamos nela tentando romper com os rompantes deixados pela nossa historia onde ate hoje não se é permitido falar sobre sexo, traição entre outros abertamente, todos esses assuntos são ainda velados e o funk veio com uma linguagem própria romper com isso, propagandeamos por ai, "ahh, funk não é musica" o que é musica? O nosso Roberto Carlos? O nosso Jorge e Mateus? Quando colocamos nossos gostos musicais como melhor fazemos o etnocentrismo e isso acaba que nos impede de compreender as demais culturas como elas são, essa foi uma questão que levantei quando vi esse assunto rodar na internet
. Atualmente as letras do funk, eu não ouço todas, mas já ouvi algumas que rodam pelas ruas, tem o objetivo de fazer reflexões sobre o nosso momento atual, quem leu isso agora pode ter dado um pulo da cadeira com seu preconceito dizendo “como assim reflexão? Desde quando funk faz reflexão?” Sim, o funk também é capaz de fazer reflexões e reflexões boas sobre os relacionamentos, sobre os direitos das mulheres, sobre sexo e principalmente ao acesso aos mesmos lugares em que pessoas de classe media frequentam, vide o fenômeno dos rolezinhos tao discriminado a um tempo atras, esse é o funk atual, o ostentado, ele vem discutindo em suas letras esses gostos compartilhados, são classes diferentes em hierarquia financeira mas que leem os mesmos livros, escutam as mesmas musicas, utilizam os mesmos tipos de roupas, sapatos, celulares e se esbarram nos mesmos lugares fazendo uso de uma linguagem própria, .de uma vivencia daquele grupo, quem consegue ouvir o funk em sua essência consegue perceber o sentido de sua letra e a mensagem que quer passar.
     Mas a questão principal que me remeteu a escrever sobre isso alem da questão obvia do preconceito, foi o quanto que nosso ensino está de fato defasado, somos incapazes de compreender as figuras de linguagem, o professor colocou “pensadora” em um sentido irônico, em relação aos questionamentos que faz na musica e que o professor colocou "pensadora" na prova no sentido de produzir um desconforto e talvez ate risos de alguns alunos que não curtem o estilo musical, mas como não temos aparatos educacionais onde ate interpretar um texto que foge ao “O pé de Pedro é preto, que cor é o pé de Pedro?” não conseguimos responder ou deturpamos a resposta o que dirá entender uma ironia ou uma piada em um texto? Tudo isso teve um contexto, esse professor já vinha trabalhando varias questões com essa turma, como professor de ensino médio utilizou dessa letra tao contemporânea para fazer filosofia, construir saberes, dialogar as vezes com a realidade desses alunos, provocá-los, fazê-los pensar e nós, enquanto sociedade preconceituosa e ainda achando que os parâmetros educacionais devem seguir o mesmo esquema já saímos propagando que a educação esta uma merda uma vez que agora as provas são feitas a baseadas nas letras de funk, mas eu me pergunto, e se fosse um Roberto Carlos com aquela musica “Esse cara sou eu” quem tem o objetivo de passar o que toda mulher quer ouvir mas que tem como pano de fundo um cara carente e problemático que vive atras da mulher? Ou o Justin Bieber, Jorge e Mateus entre outras musicas que tem como objetivo romancear o que na verdade não passa de frustrações amorosas e dor de cotovelo, essas passariam despercebidas pois são canções aceitas socialmente, dignas de se trabalhar na educação, alias, dignas? Por que? Por que uma letra de funk em uma prova reflete uma educação de bosta como vi vários professores comentando? Acho que já é um ponto para começarmos a pensar.
     Cansei de ver postagens do tipo “Essa é a educação do nosso brasil”, “olha a que nível chegamos” compartilhadas por professores, alguns, formados a nível de graduação e isso abre pra mim um outro olhar relacionado a educação superior, como estão sendo formados esses profissionais, a academia é um espaço de compartilhar pensamentos, abrir mão de conceitos para conhecer outros, ou se não quiser abrir mão, pelo menos se propor a ouvir, a pensar e não manter as mesmas posturas e pensamentos de quando entrou, a cristalização do conhecimento não move a educação, educação sempre sera diálogo e mudança.
     Somos tao etnocêntricos que não conseguimos olhar para educação de uma forma mais libertaria, ainda queremos fazer da educação uma extensão do nosso lar, da nossa igreja, dos nossos pensamentos e esquecemos de trabalhar com as pluralidades, ditamos regras morais baseadas em nossos valores de como ela deve funcionar, o professor era da área de filosofia e em filosofia assim como em qualquer outra disciplina não podemos ter amarras, não podemos enviesar um olhar e colocar nosso empirismo como melhor, assim não se faz educação. Claro que uma hora a educação encontraria esse impasse, pois, nossa educação esta tao ruim que não entendemos a ironia de uma prova, a principio, já fomos logo criticando, cuspindo nossos valores morais e educacionais sem entender um contexto ao qual essa prova se inseriu, as pessoas se sentiram humilhadas, tomaram as dores dos filósofos ditos como importantes por chamar a Valesca de pensadora pois atrelamos o conhecimento de pensador aos filósofos antigos, pensador é quem cria um conceito e pensa sobre ele, beijinho no ombro é um conceito, um conceito contemporâneo criado pela Valesca, veja o quão irônico isso foi e o quanto não fomos capazes de compreender, vamos chegar a um ponto em que sera necessário escrever, ironia, piada, após a frase para que haja um entendimento real pois é notável que o pensamento elaborado, a capacidade de pensar uma questão fora do nosso próprio umbigo, fora das nossas crenças, fora dos nossos parâmetros e aceitar que existe sim um mundo maior que o nosso não existe em nossa educação, se não sairmos dessa posição de meros moralistas educacionais a educação só vai definhar, educação precisa de liberdade e não de amarras. 

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